sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

O ocaso do Sintufsc
















 Foto: divulgação Sintufsc




por elaine tavares

A direção do Sindicato dos Trabalhadores da UFSC (Sintufsc), respaldada pelo seu grupo de apoio, fez ontem o que melhor sabe fazer: a pequena política. Quase um ano depois de a reitora Roselane Neckel ter prorrogado o mandato dos representantes do Conselho Universitário - coisa que foi colocada em várias assembleias pelos próprios representantes - houve uma chamada de assembleia geral, com ponto único para discutir o CUn. Nela, decidiram votar e aprovar uma lista de nomes para assumir os cargos que estavam vagos depois da renúncia coletiva dos representantes, quando a reitora levou o CUn para dentro da Polícia Militar.

Já no início do debate percebeu-se que ali se faria qualquer coisa, menos discutir o papel dos representantes técnico-administrativos no CUn. O tom de disputa de "cargos" já foi dado logo no início na fala de um diretor, e seguiu se fazendo nas falas dos apoiadores que chegaram a  chamar de "irresponsáveis" os TAEs que tomaram a decisão de não participar da triste votação da Ebserh em solo da PM. Ficava mais do que claro que o que realmente importava ali naquele arremedo de democracia era definir os nomes dos técnico-administrativos que deveriam assumir as seis vagas no CUn, alinhados com a política do novo reitor, eleito ano passado, que tomará posse - salvo engano - em maio, e que foi apoiado pela maioria da direção.

O momento foi patético, porque demonstrou a completa falência do sindicato no contexto das lutas dos trabalhadores. Esse tipo de postura já tinha se explicitado com bastante clareza na assembleia que encerrou a greve das 30 horas em 2014, uma luta heroica comandada pela juventude dos TAEs. Inconformada com o fato de os trabalhadores estarem tomando a frente da luta, a direção chamou aposentados e apoiadores desaparecidos para uma assembleia e aprovou o fim da greve em uma votação relâmpago, recolhendo imediatamente os microfones, tirando as caixas de som e fugindo pela porta afora, impedindo que a assembleia falasse.  Depois daquilo qualquer outra coisa seria pequena.
Por isso não surpreendeu a assembleia dessa quinta-feira. A palavra de ordem era desqualificar os representantes dos TAEs que foram conselheiros. Não foi sequer permitido que os mesmos fizessem um relato do que foi o mandato, que é dos trabalhadores e não do sindicato. O grupo dos TAEs eleito para representar os trabalhadores fez o mandato mais democrático da história da UFSC. Foi criado um blog que debatia os temas do CUn e foi criada também uma página no facebook que reportava em tempo real tudo o que acontecia nas sessões. As pessoas interessadas no debate do CUn acompanhavam e interagiam. Além disso, diante dos temas mais candentes - como foi o da EBSERH - os representantes levavam a discussão para as assembleias tentando socializar ainda mais o debate.

A renúncia ao mandato se deu num contexto de profunda indignação. No mês de maio de 2015, quando o mandato se encerrou, a reitoria abriu edital para novas eleições e chegou a começar a campanha. Mas,  a eleição foi suspensa por falhas no edital e a reitoraa decidiu prorrogar os mandatos até que fosse realizada a eleição. Os representantes não foram consultados sobre isso, mas entenderam que era possível ficar mais um pouco até a reitoria se organizar. O "mais um pouco" se estendeu por meses e foi denunciado várias vezes nas assembleias do Sintufsc, sem que nenhum diretor se importasse em fazer discurso ou peitar a luta contra a reitoria. Seguiram sozinhos os representantes. Até o fatídico dia da polícia militar, o qual foi impossível viver. Dias depois, os representantes técnicos lançaram uma carta aberta na qual expunham seus argumentos. Também naqueles dias o que se viu foi o silêncio. Nem uma palavra do sindicato, apenas uns poucos colegas – os mesmos que acompanharam sistematicamente os trabalhos do CUn - se manifestaram apoiando a atitude.

Agora, em março de 2016 a direção do Sintufsc chama uma assembleia para discutir o tema. Muito bem, atrasado, mas tudo bem. Pensou-se que finalmente os dirigentes estivessem interessados em debater o papel do CUn e a necessária mudança nas regras eleitorais, luta que vimos travando há anos. Mas, o que se viu, não foi isso. Nada de discutir o CUn, nem a regras. A proposta era realizar uma eleição, ali mesmo, para escolher os nomes que representariam os TAEs no Conselho máximo da UFSC. Uma eleição que não estava dita no edital de chamada.

Golpe? Sim. Mas, como sempre, um golpe respaldado pela categoria dos TAEs. Todos os trabalhadores que tem acompanhado as assembleias do Sintufsc e as posições tomadas pela direção ao longo desses anos sabem muito bem como esse grupo age e o que defende. Ninguém é bobo entre os técnico-administrativos. O grupo que dá suporte à direção se organiza e leva gente para a assembleia. Os demais grupos que se articulam politicamente entre os TAEs não se organizam, não se articulam e ignoram os sucessivos golpes aplicados na categoria. Assim, de certa forma também respaldam a ação truculenta e antidemocrática da direção.

Dessa forma, o que se vê nas assembleias é mais do mesmo. O grupo da direção esculhambando os que ainda resistem na oposição e passando o rodo nas votações. Não há debate político. Tudo se resume a pequena política, filigranas que desmobilizam e enfraquecem. Ninguém ouve ninguém. E na assembleia de quinta o objetivo era eleger o grupo da direção, que apoia o novo reitor, para a velha atuação já conhecida no CUn: votar com a administração, sem causar maiores problemas. É só olhar as atas das representações passadas e ver com os próprios olhos, caso alguém não acreditar no que escrevo.

Assim, nada disso me causa espanto. Outras coisas sim, me causam espanto. Por que a categoria dos TAEs da UFSC não chamou uma assembleia para discutir a saída de seus representantes, ainda no ano passado? Por que isso parece importar a absolutamente ninguém? Pergunto e respondo: os trabalhadores - regra geral - não acreditam na política. Ouvem à exaustão que ela é ruim, feia, suja e tudo mais. Então, a cada quatro anos, ou dois, depositam um voto qualquer na urna e deixam que os "representantes" os representem. Uma boa parte vota em quem o chefe manda, ou na indicação de um amigo que consideram "mais sabido". Não há uma apropriação real das propostas, das diferenças de ação e de demandas. E, assim, de boa fé, acabam respaldando esses "jogos vorazes" nos quais o que menos importa é a categoria.

Pois eu digo a vocês colegas que é hora de parar e pensar muito bem no que está acontecendo com o sindicato. Ainda não chegamos a um tempo em que esse instrumento possa ser abandonado, como agora está. O sindicato - dentro do capitalismo - é o espaço de articulação da luta classe trabalhadora, não apenas da luta corporativa, necessária, mas da luta por transformações radicais em toda a sociedade. É ali que podemos discutir os problemas e apontar saídas coletivas.

Os jovens trabalhadores - que entraram nos últimos concursos - já entram na instituição sem dezenas de direitos, perdidos ao longo dos tempos, nas derrotas duras que temos sofrido. E o ano que agora começa traz novos sacos de maldades para serem empurrados goela abaixo. Outros tantos direitos podem se perder. A velhice digna parece cada dia mais longe, com as sucessivas reformas da previdência. Vem mais uma aí. Então? Que fazer? Deixar que a vida escorra pelo ralo, sem organização coletiva, buscando um tábua para salvar-se sozinho? Não há saída no individual. Mesmo que num primeiro momento pareça que sim. No frigir dos ovos a derrota é de todos.

A assembleia dessa quinta-feira apresentou e votou uma nominata para representar os TAEs no CUn.  Seria uma espécie de mandato tampão, até as eleições. Vejam os nomes:

1. Dilton Mota Rufino (CFH, Titular)
- Newton de Mendonça Barbosa Júnior (CCA, Suplente)

2. Carolina Becker Soeth (HU, Titular)
- Enézimo Marcelino (CCS, Suplente)

3. Paulo Eduardo Botelho (CTC, Titular)
- Valdenir Lourival Ferreira (HU, Suplente)

4. Eduardo Luz (DPAE/PROPLAN, Titular)
- Isabel Maria da Silva (HU, Suplente)

5. José Geraldo Mattos (HU, Titular)
- Jakeline Becker Carbonera (HU, Suplente)

6. Jorge Luiz Fernandes (CSE, Titular)
- Claudio Hoher da Trindade (Imprensa Universitária, Suplente)

E então, colegas? Como dizia o mestre Jesus: quem tiver ouvidos para ouvir, que ouça.
Importante salientar que os TAEs pouco poder tem no Conselho Universitário. O que se pode fazer é denunciar e espernear. E já é muito. De minha parte - fui suplente do colega Hélio Rodak - penso que cumpri com os objetivos de nossa candidatura. Fizemos o combate, lutamos pela nossa categoria, apoiamos as grandes lutas dos estudantes e professores, conseguimos fazer com que as Fundações fossem debatidas e trabalhassem com transparência, esperneamos bastante e publicizamos tudo o que vivemos lá dentro. Dignamente renunciamos - e temos esse direito - porque não seria possível estar num conselho que se reúne na polícia militar para votar a privatização do hospital universitário.

Nova eleição virá. A categoria decidirá. Os trabalhadores sabem o que fazer para lutar por seus direitos e a ação de cada colega nas assembleias e nos fóruns de decisão é a baliza que define a vida real. Discurso bonito e inflamado é fácil fazer, mas atuar em consequência da fala pronunciada já são outros quinhentos.

quinta-feira, 16 de abril de 2015

TAEs Livres - Abrindo as portas



Eleição para o Conselho Universitário e Conselho de Curadores


SOMOS OS ÍMPARES

Já está bem aí a eleição para o Conselho Universitário. Será no dia 23 de abril, com urnas lá no Saguão da Reitoria, no HU, no CCA e nos demais campi da UFSC. Como todos sabem é no Conselho Universitário que se decide a vida da instituição, seja no seu fazer administrativo, político ou trabalhista. Por isso, é muito importante que os representantes dos Técnico-administrativos em Educação (TAEs) sejam pessoas realmente comprometidas com a educação e com a luta dos trabalhadores. Gente que fala, que luta, que pressiona, que disputa, que não se rende.

Nossa chapa TAEs Livres – abrindo portas” é fruto de um longo trabalho que vem desde as movimentações de 2011, quando conseguimos aglutinar muitos trabalhadores recém-chegados à UFSC no caminho da luta por recuperação de direitos, por novos direitos, contra o assédio moral, pela 30 horas. Conseguimos, pela primeira vez, eleger os seis representantes dos TAEs com essas características de gente lutadora e comprometida com os interesses reais dos TAEs. O trabalho realizado ao longo desses dois anos foi bonito. A bancada dos TAEs deu visibilidade ao conselho, divulgando em tempo real os debates, via facebook, permitindo assim que os trabalhadores pudessem se manifestar enquanto a discussão ocorria. Também, pela primeira vez os trabalhadores puderam ter acesso a análises sobre os grandes temas discutidos e definidos no CUN, com o relato completo das discussões e sobre como atuaram os conselheiros.

Conseguimos problematizar a questão das Fundações de apoio, fazendo com elas ficassem mais transparentes, e provocando o debate sobre a necessidade de sua existência na UFSC. Também garantimos democracia no debate sobre a EBSERH e travamos forte batalha na discussão sobre as eleições para a reitoria e a participação paritária dos trabalhadores e estudantes.

Nossa bancada atuou com zelo e disciplina também no Conselho de Curadores, onde nossas representantes conseguiram tornar transparente um mundo até então interditado para a maioria.

Agora é hora de seguir fazendo a diferença dentro dos Conselhos da UFSC. Para isso apresentamos nossas chapas. Cada trabalhador pode votar em seis chapas, referentes aos seis membros titulares/suplentes. Pedimos o seu voto para continuarmos fazendo a luta e representando os TAEs.

Nós somos os ímpares - 1,3,5,7, 9 e 11

Chapa 1 – Renato Ramos Milis/Criatiane Barbado
Chapa 3 – Kauê Tortato Alvez/ Jonatan Sernajoto Urbano Moraes
Chapa 5 – Carla Cerdote da Silva/ Elaine Tavares
Chapa 7 – Terence Burchert Miranda/ Clésio Lima
Chapa 9 - Hélio Rodack de Quadros Jr/ Ismael dos Santos
Chapa 11 – Luciano Agnes/ Cibeli Machado
Para o Conselho de Curadores há chapa única. É nossa!

Chapa 1 - Brenda Piazza/ Antonio Marcos Machado.

Esperamos seu voto.





segunda-feira, 21 de julho de 2014

Reduzir a jornada é vagabundagem?

















Por elaine tavares

A administração da Universidade Federal de Santa Catarina decidiu, poucos dias depois do fim de uma longa greve dos trabalhadores técnico-administrativos em educação (TAEs), fazer circular um memorando o qual coloca na mão dos chefes de segundo e terceiro escalão a responsabilidade pela vigilância do horário de trabalho desses trabalhadores especificamente, inclusive com a adoção do livro-ponto, coisa que já foi varrida da universidade há anos. O documento foi encarado pelos trabalhadores como uma “vingança”, uma vez que o ponto central que mobilizou o movimento grevista foi justamente o debate e a proposta de abertura da universidade por 12 horas ininterruptas, em turnos de seis horas, reduzindo assim a jornada laboral para 30 horas. Quem acompanhou a greve pode perceber o desconforto que acompanhou a administração em cada situação de embate com os trabalhadores. 

O documento distribuído pela administração apela para a “moral”, dizendo que a lei exige uma jornada de trabalho de 40 horas e é dever de cada chefe fazer cumprir, não permitindo que os trabalhadores se organizem e definam horários flexíveis. Na prática, a medida é uma resposta ao processo de organização dos trabalhadores que conseguiu avanços importantes durante o movimento grevista chegando a produzir uma resolução de implantação das 30 horas na UFSC.

No mesmo dia em que o documento circulou, os trabalhadores iniciaram um processo de reorganização, realizando reuniões e colhendo informações sobre como cada setor estava recebendo a suposta “ordem” de controle de ponto. Os relatos são de arrepiar. Com um golpe só, a administração central, eleita sob o rótulo de “esquerda” ou “progressista”  conseguiu ser mais conservadora e até reacionária que os dirigentes marcadamente de direita que ocuparam o posto anteriormente nesses 50 anos. Além disso, a ordem de controle de horário, reascendeu uma velha disputa interclasse – entre técnicos e professores – que só serve para dividir e fragilizar a organização dos trabalhadores, bem ao gosto de quem domina.

O manual e o intelectual

É da natureza da divisão de trabalho capitalista apresentar algumas funções como mais relevantes que outras. Na universidade sempre foi assim. Apesar de técnicos e professores terem o mesmo empregador e servirem ao mesmo propósito – que é a educação de jovens no ensino superior – ao longo da história o professor sempre se considerou mais importante que o técnico, acreditando-se ele o responsável pela educação, enquanto o técnico seria apenas o meio - secundário - pelo qual essa educação se fazia possível. Uma espécie de peça na engrenagem, enquanto o professor era o intelectual. Na UFSC isso sempre aconteceu e eu mesma já escrevi um longo texto sobre o tema, que está publicado no livro “Crítica à razão acadêmica”, organizado por Waldir Rampinelli (Insular, 2012).

Durante muito tempo alguns professores chegaram a tratar os técnicos como seus trabalhadores pessoais, usando-os para pagar contas no banco, fazer compras e outras coisas desse tipo. Também sempre houve um certo paternalismo permeando as relações, com os professores outorgando “benesses” para os seus amigos, amparados nessa ideia de que o técnico-administrativo era um subordinado pessoal. Mas, quando, com o passar do tempo os trabalhadores foram se organizando e se recusando a seguir com essa prática redutora, patriarcal e preconceituosa, aí a tensão passou a ser frequente. Os TAEs garantiram qualificação, seguem exigindo direito de participação paritária, lutam por democratizar as instâncias de decisão e isso é visto como um disparate. Tanto que agora, em 2014, surgiu com força um movimento de professores que quer retornar ao sistema 70/30 para eleição de reitor. Isso porque a luta renitente garantiu que a eleição fosse paritária, com peso igual entre técnicos, docentes e estudantes. Pois esses docentes querem que sejam eles, os professores, os que tenham maior peso para decidir a vida da universidade. E vejam que ainda é assim em praticamente todos os espaços da UFSC, mesmo no Conselho Universitário, que tem apenas seis vagas para técnicos.

Assim, o memorando da reitora Roselane Neckel reavivou esse terrível ranço que persiste. Boa parte dos docentes se regozijou. O chicote outra vez sobre o lombo dos técnicos, que andavam se arvorando em querer igualdade de direitos. Assim, alguns deles decidiram implantar o tal do livro-ponto quase que no dia seguinte. Nas reuniões realizadas para discutir a retaliação, há relatos de trabalhadores sobre a ação de dirigentes que estariam indo de mesa em mesa com um livro-ponto e, mesmo os que sempre cumpriram 40 horas se sentiram incomodados e intimidados com a pressão. Um show de retrocesso. Também no Centro de Filosofia e Ciências Humanas, o CFH, e no Centro de Educação, o CED, os diretores estariam insistindo no controle de ponto, conforme ordens da reitoria. Segundo os trabalhadores dos dois centros, reunidos na última sexta-feira, os diretores afirmaram não ser essa medida sujeita à diálogo.  O controle seria implantado e pronto.

Os trabalhadores técnico-administrativos em educação nunca se negaram a ter seu horário controlado, mas insistem que esse controle deve ser social. Tanto que na proposta de 30 horas, que vai garantir a UFSC aberta por 12 horas seguidas, inclusive no horário das 12 às 14, o controle está incluído. O nome do trabalhador e o horário de trabalho devem estar informados no setor para que os usuários do serviço possam saber. Não há necessidade de retroceder ao estapafúrdio livro-ponto e muito menos ao relógio ponto. Cada trabalhador técnico sabe da sua responsabilidade, assim como o professor sabe do horário da sua aula. Logo, a proposta da administração aparece mais como uma punição aos grevistas, numa atitude que poderia até ser considerada antissindical, uma vez que é claramente uma retaliação.

São os trinta horistas vagabundos?

A primeira coisa que se ouve quando se trata do trabalho do servidor público é que ele é um vagabundo. “Já é cheio de privilégios e ainda não quer trabalhar”. Essa é uma frase corrente, até entre os docentes. Mas, se isso fosse mesmo verdade, é certo que os órgãos públicos já teriam se desmilinguido. Claro que deve haver gente que não quer trabalhar, mas isso existe também na iniciativa privada, não é prerrogativa do trabalhador público.

O primeiro mito a se desfazer é de que os trabalhadores públicos têm privilégios. Não têm. Todas as conquistas que hoje são direitos foram garantidas na luta. E muita luta. Mesmo a estabilidade, que, ao fim, foi uma troca. O trabalhador abria mão do fundo de garantia e por outro lado ficaria protegido das manobras políticas, uma vez que no serviço público, os “chefes”, mudam a cada quatro anos, e podem ter diferentes conotações políticas. Não há privilégio aí. Há proteção. O público não pode ficar sob o domínio de “humores” de administradores de plantão.

O outro mito a se demolir é o de que o desejo das 30 horas é coisa de vagabundo. Não é. O mundo atual já se mecanizou de tal forma que o processo de trabalho não necessita uma jornada de 40 ou 44 horas para os trabalhadores. Aquelas atividades que demoravam horas, hoje podem ser feitas em minutos e acaba sendo muito mais produtiva uma jornada de seis horas do que uma de oito, com intervalo de duas horas. O próprio sistema capitalista – que é um sugador de almas – já capitulou à ideia de que a jornada pode ser reduzida. Há também, entre os trabalhadores do setor privados uma luta história pela redução de jornada. Por que motivo o sistema público insistiria no atraso? Que outros obscuros interesses levam a insistir numa jornada de 40 horas, com horas mortas, trabalhadores desestimulados e superexplorados?

Os trabalhadores da universidade sabem bem o que está por trás.  As horas sempre foram moeda de troca para os dirigentes manterem seus cabrestos. Os amigos do rei trabalham menos horas (alguns quatro, outros nenhuma). Os inimigos têm a imposição da lei, embora mesmo a lei garanta a possibilidade de seis horas para setores que funcionem 12 horas ininterruptas. Na UFSC tem sido assim desde há anos e por isso teve inicio a luta das 30 horas para todos. Isonomia. Uma luta que encontra obstáculos também entre alguns dos trabalhadores que não querem perder suas benesses. Logo, não é uma coisa simples e bem resolvida, porque há muitos interesses misturados.

Por outro lado, a história registra a luta dos trabalhadores por redução de jornada desde que o sistema capitalista instituiu as loucas jornadas de 18,12 horas, no início de sua ascensão. Por conta desses então chamados “loucos” - que chegaram a morrer na luta - hoje temos feriados nacionais. O Dia do Trabalhador, no primeiro de maio, é fruto da luta por redução de jornada. E todo mundo curte e comemora. O Dia das Mulheres, em 8 de março, é fruto da luta por redução de jornada. É o momento em que os trabalhadores percebem que estão trabalhando horas demais para fazer o trabalho pelo qual são pagos. É quando se dão conta da exploração. Quando entendem que pelo salário que ganham deveriam trabalhar menos horas, porque as que excedem são o lucro para o patrão. E, no caso dos trabalhadores públicos, não há necessidade do lucro. Há necessidade do trabalho bem feito. E as condições técnicas estão dadas.
A proposta, além de melhorar a vida do trabalhador, que pode dispor de seu tempo livre, também é boa para quem usa o serviço. Não é possível que uma universidade fique fechada no horário do meio dia, quando os alunos do turno da noite precisam resolver suas coisas.

E, finalmente, vagabundear, ter tempo livre para fruir a vida, não é um pecado. É coisa boa, para o corpo e para a mente. Ter direito à preguiça, como pregava Lafargue, tempo para brincar, plantar jardins, criar os filhos. Isso torna as pessoas melhores. As 30 horas podem soar agora como um absurdo, como as oito horas reivindicadas pelos primeiros operários do mundo capitalista. Mas não é. Elas são viáveis legalmente, tecnicamente e politicamente. Não compreender isso é agir como os patrões do passado, que chegaram a queimar vivos os trabalhadores que exigiam melhorias no processo laboral.


Por conta disso, a organização dos trabalhadores não para. Reuniões setoriais estão sendo feitas todas as semanas para socialização das informações e organização da luta.  A imposição de um livro-ponto não será aceita. Não numa instituição que deveria dar o exemplo de democracia e vanguarda organizativa. Os trabalhadores têm propostas de melhorar o atendimento, com ampliação de horários e com a redução da jornada com controle social.  E vão lutar por isso.


sábado, 7 de junho de 2014

Como defender o HU?














Por elaine tavares 

A greve dos trabalhadores técnico-administrativos em educação da UFSC proporcionou mais um importante passo na luta pelo HU, para que continue desvinculado da empresa criada pelo governo para gerir os hospitais universitários. Com a paralisação, os trabalhadores tiveram mais tempo para estudar, ler os documentos, compreender as implicações de ter uma empresa, ainda que estatal, a comandar a administração de um hospital escola.

Em conversa com o diretor do HU da UFSC, professor Carlos Alberto Paraná, os trabalhadores ouviram que os argumentos usados para a defesa do HU estão eivados de meias-verdades. Segundo ele, a adesão a EBSERH não privatiza o hospital, como se denuncia, pelo contrário, permite que ele siga funcionando 100% público. Alegou que para garantir a continuidade do trabalho do HU seriam necessários mais 400 trabalhadores, os quais a universidade não tem como repor. O governo deixou bem claro os caminhos que estão à disposição: Ou adere à empresa estatal administradora – e aí pode contratar os trabalhadores via CLT - ou terá de se virar sozinho. Assim, vaticina Paraná, sem a adesão, o HU vai ter que redimensionar seu atendimento. E o que isso quer dizer, afinal? Que várias alas do hospital terão de ser fechadas, portanto, diminuindo o atendimento.

Ora, isso é um argumento inaceitável. Que reitor ou reitora aceitaria tamanho absurdo? O Hospital não é um espaço desvinculado da universidade. Ele é parte dela. Os HU são hospitais-escola. Ali são formados os futuros médicos, enfermeiros e outros profissionais da área da saúde. É obrigação do governo garantir a completo funcionamento desse setor. Não é possível que um administrador se deixe envolver por essa chantagem. Se a adesão é uma opção, ela não pode estar condicionada. Ou adere ou ficará sem recursos! Isso seria motivo para um levante, se tivéssemos reitores à altura daquilo que dizem defender: a universidade pública.

Diante dessa posição do diretor do HU, que diz não ser contra nem a favor da adesão, muito pelo contrário, mas que quer que o HU siga atendendo, sem fechar setores, os trabalhadores foram até a reitoria para ouvir da reitora Roselane Neckel a sua posição sobre o HU. Bastante incomodada com a “perturbação”, a reitora bateu na mesma tecla. Faltam trabalhadores, não há como contratar, não há como alocar trabalhadores já concursados no HU. O impasse está dado. Se não há o que fazer, a EBSERH é a solução? Ela diz que vai consultar a comunidade para tomar uma decisão.

O que poderia fazer a administração?

Diante das atitudes titubeantes do diretor do HU e da reitora da UFSC, os trabalhadores tem algumas respostas. Ora, se a questão está colocada dessa forma, ou adere ou amarga com o pires na mão, esperando migalhas, talvez fosse hora de a administração da UFSC mostrar seu poder. A Universidade Federal de de Santa Catarina não é uma instituição qualquer no universo do estado. Ela é responsável pela formação de grande parte dos quadros que compõe a vida produtiva de Santa Catarina. Em qualquer município, por menor que seja, haveremos de encontrar um egresso da UFSC e uma família que estaria disposta a lutar para manter o HU funcionando.

Agora imaginem que se a reitora usasse toda essa força que a UFSC tem, chamando os mais de 400 prefeitos do Estado para  uma luta em defesa do HU? Afinal, quem fica por uma hora ou duas na frente do hospital pode ver as ambulâncias chegando de todos os cantinhos desse lindo estado. A vida catarinense viceja ali naquele espaço. E se, além dos mais de 400 prefeitos, a reitora convocasse, numa cruzada, os vereadores de cada cidade para que também se juntarem à luta exigindo do governo os recursos e os trabalhadores? E imagine que a reitora viajasse para as cidades polo de Santa Catarina, para junto com os vereadores e prefeitos conclamar o povo à essa batalha? E se invadisse de inopino a Assembleia Legislativa, exingo dos deputados uma posição? E adentrasse aos gabinetes dos deputados federais e senadores catarinense, exigindo apoio? E toda essa gente, liderada por esse reitora intrépida, iniciasse uma caminhada a Brasília, colocando o governo em xeque? E que, vendo a beleza dessa luta, os demais reitores e reitoras do Brasil inteiro ocupassem o Palácio do Planalto a dizer em alto e bom som: ninguém vai fechar os HU, eles se manterão públicos, seguirão sendo hospitais-escola de qualidade, atendendo casos complexos, servindo de modelo aos demais.

Imaginaram?

Pois falando assim isso parece uma bravata, mas não é. Há anos os trabalhadores tentam fazer essa articulação com os prefeitos, vereadores, deputados. Conseguem com um ou outro, afinal, a maioria não está nem aí para os trabalhadores. Mas esses mesmos prefeitos estariam aí para uma reitora, ou um reitor. Eles ouviriam, porque acreditariam falar com a “institucionalidade”. E uma luta grande, dessa natureza, seria ouvida. Mas precisaria que alguém iniciasse, desse o primeiro passo. E seria preciso alguém disposto a inscrever seu nome na história.

Poderia ser uma luta derrotada? Sim, poderia. Mas, também poderia não ser. Por que, então, não travá-la? Por que ficar refém de uma chantagem? Por que aceitar uma proposta que é ruim, que desvincula o HU da universidade, que coloca a saúde das gentes no âmbito da mercadoria?

Eu não sei. Ainda sonho com um reitor ou uma reitora que fosse capaz desse passo. Da luta concreta pelo HU.

terça-feira, 27 de maio de 2014

Um papo com os jovens sobre a greve

Durante nosso processo de greve poucos são os professores que conversam com seus alunos sobre o movimento. Aqui vai um exemplo de professor que aproveita o movimento de luta para educar. A contribuição do professor Paulo Capela, do CDS, em um texto distribuído e discutido com seus alunos.  


Por Paulo Capela - professor no CDS

A greve pode ser vista por vários ângulos, a partir de várias perspectivas. Pode ser entendida da maneira como é veiculada pela “mídia oficial” e compreendida por alguns professores e alunos da própria Universidade, que não participam deste movimento político, e acham que ela representa apenas a ação de alguns contra a “boa ordem da vida acadêmica”. E pode ser encarada como um instrumento de conquista de melhores salários para professores e funcionários. Para esses que não participam, parece não haver interesse em conhecer suas causas mais profundas.

Mas, a greve pode também ser pensada como uma grande lição de aprendizado de vida. Rompe com a normalidade; possibilita abertura para refletir sobre fatos já esquecidos no cotidiano da vida frenética em que vivem as pessoas na Universidade; é um momento de formação e informação política riquíssimo, de obter esclarecimentos de ambas as posições, dos que defendem a continuidade produtivista da vida universitária, sem sentido para a maioria da população brasileira, ou dos que acham que é possível ser produtivo na Universidade com qualidade social, articulando os conhecimentos produzidos com um projeto de autonomia nacional e popular (os grevistas em especial).

A greve pode ser entendida como momento educacional e pedagógico riquíssimo à formação acadêmica superior; pode ser entendida como qualquer disciplina de formação profissional superior, se perspectivada na dimensão do currículo ampliado (currículo de formação não é só o que acontece em sala de aula, por dentro das disciplinas das grades curriculares). A greve na Universidade é um momento em que os trabalhadores e futuros trabalhadores (alunos) se organizam: para reivindicar melhores condições de trabalho a todos (técnico-administrativos efetivos e terceirizados, professores substitutos, efetivos e já aposentados, cujas condições salariais, de trabalho e de vida são diferenciadas e vêm sendo precarizadas); melhores condições de estudo a todos os alunos através da conquista de bibliotecas mais estruturadas, espaços culturais, de convivência e socialização juvenil, moradia estudantil, RU (Restaurante Universitário), bolsas de pesquisa, extensão, ensino, monitoria, melhoria na rede de  acesso à informática, enfim, mais dignidade coletiva. A greve é ação político-educacional de formação para a cidadania profissional emancipada. São momentos que servem para perceber nosso país em relação aos demais países do mundo.

Falamos bastante ao longo de nossa disciplina na tarefa educacional de ensinar a complexidade dos fatos que não estão colocados na simples aparência; que devemos trabalhar para superar as  “inteligências fragmentadas” que só veem meias verdades, aparências; que é função da educação ensinar a pensar os projetos que estão articulados aos conteúdos da mediação educacional da Educação Física e da vida.

Com o olhar da complexidade, nos detivemos na análise da greve como uma atividade curricular de formação, na qual temos a oportunidade de: experienciar, observar, pesquisar e organizar conhecimentos sobre a utilização de um  instrumento legítimo e último recurso de reivindicação dos  direitos dos trabalhadores diante do mundo capitalista; perceber o quanto ainda é importante este instrumento quando se esgotam todas as possibilidades de os trabalhadores negociarem com quem os empregam; perceber como é, e pode “vir a ser”, diferente  a construção dos momentos de  participação coletiva dos trabalhadores nas disputadas e intervenções que definem os caminhos, as estratégias, as mobilizações, as desmobilizações; perceber as tensões geradas pelos pontos de vista e interesses da própria classe dos trabalhadores em suas disputas internas (algumas explicitando  vaidades e egos pessoais, a maioria explicitando opções políticas para os avanços, outras tantas de continuísmos).

Penso agora, já como professor e trabalhador do ensino, que é muito importante que vocês, ainda nos bancos universitários, articulem-se com seus órgãos de representação estudantil, esclarecendo-se e posicionando-se ativamente nos momentos de greve.

A maioria de minha geração, na qual me incluo, jamais colocou como demanda de nossa formação universitária o aprendizado de greve, do  diálogo e da mobilização coletiva como meio de garantir nossos direitos. Éramos formados e informados hegemonicamente por nossos professores para a submissão ao mundo do trabalho capitalista alienado; pensarmos em saídas profissionais individuais e individualistas; concorrer constantemente entre nós (por melhores notas, pelas escassas bolsas de extensão, pesquisa, ensino, monitoria, pelas poucas vagas na casa estudantil, pelos poucos livros disponíveis nas bibliotecas, pelas melhores vagas nos estágios, pelas medalhas nos  “jogos esportivos de confraternização (ódio cordial)”, etc.

           Não é preciso dizer-lhes que na última greve, nós, professores universitários, não conseguimos mais nos ver de forma hegemônica enquanto classe organizada; não nos perguntamos mais pela melhora de vida coletiva dos trabalhadores do Brasil, do mundo e da UFSC, com os quais compartilhamos grande parte de nossas vidas; não tivemos o menor constrangimento em submeter os acadêmicos a turnos ininterruptos de aulas sem férias, quando alguns dos colegas, negando-se a debater suas ideias nos fóruns legítimos, desrespeitam deliberações de fóruns coletivos (em nosso Centro inclusive um dos professores a desrespeitar as assembleias de greve já foi, oportunistamente, em outros tempos, ex-presidente da APUFSC) e permanecem “dando magras aulas” (sem infraestrutura com relação a bibliotecas e funcionários), na perspectiva individual de garantir “seu trabalho”; “suas férias”; “suas ranquiações nas agências de fomento”; seus financiamentos, e, contraditoriamente, não se constrangem em recompor seus salários (por mínimo que seja), graças às ações exaustivas de “colegas” (os grevistas), também submetidos a jornadas intermináveis (tanto quanto os alunos) durante, e após as greves, para reporem com qualidade as aulas aos alunos.

 Afirmo a vocês que não há como ser gente neste mundo sem construir entendimento sobre os projetos em disputa em cada momento de vida, perante os quais temos que nos posicionar e explicitar nossas opções políticas.

           Neste sentido, sou muito orgulhoso de haver me misturado e aprendido, na condição de professor/educador, com muitos dos alunos, técnicos administrativos e colegas professores que fizeram o movimento de greve, porque com eles aprendi muito, refletindo sobre sonhos de “outros e melhores mundos para todos”.

          Fiz parte, de forma muito especial, em nosso Centro, de um coletivo grevista que faz do exemplo suas melhores “ferramentas”  pedagógicas, solidarizando-me com eles os quais, tenho certeza, foram  grevistas por um mundo mais justo para nós e para os que conosco vivem....
Para finalizar, afirmo-lhes que não é prudente aos jovens, os quais  serão os futuros herdeiros deste País (queiram eles, ou não), delegar as grandes decisões aos outros, ou moverem-se em seus posicionamentos através de “opiniões” ou “notícias”, quando é próprio à vida universitária o conhecimento científico ou aprofundado sobre os fatos da vida (inclusive a greve). Não se deixem iludir pelos que julgam a greve apenas a partir de dados objetivos de ganhos imediatos e quantificáveis que obtêm; vejam-na como processo educação que desencadeia.

         Convido todos vocês, ainda acadêmicos, a interessarem-se pelo tema da greve, da mobilização, pela organização coletiva de classe. Não façam destes ricos momentos acadêmicos “férias”; tencionem seus professores a se pronunciarem sobre este momento dramático, mas instigante da vida acadêmica das universidades públicas federais; sejam porta-voz das futuras gerações de jovens que lhes sucederão; não permitam a privatização ou a falta de qualidade do ensino público nem as soluções fáceis; não finjam que não têm nada a ver com os fatos; constituam-se como jovens que crescem junto com os demais jovens do nosso País e da América Latina em libertação, não deleguem mais uma vez os destinos de nosso País aos espertos; mostrem-se uns aos outros e nos dêem seus exemplos nos processos de greve; digam-nos quais são seus sonhos mais íntimos de felicidade e harmonia coletiva a serem forjados nas lutas e disputas de projetos; não se omitam!

            A greve serve para dar realismo, desacomodar a vida fácil da “bunda sentada passiva por longas horas e anos  de formação e deformação educativa bancária”, como denunciava Paulo Freire, educador brasileiro para o qual a vida exigia ação cultural libertadora. Para ele, “os nossos direitos acabam, quando acabam os dos outros”; para ele, só haveria mundo melhor quando todos pudessem comungar dos avanços e oportunidades da humanidade.

            É por isso que nós, trabalhadores, nos organizamos e fazemos greves, para o mundo ficar melhor para todos...!


terça-feira, 11 de março de 2014

Devaneios ufanistas: caso do HC da UFPE



Por Heitor Scalambrini Costa - Professor da Universidade Federal de Pernambuco 

A tragédia vivida pelos usuários do Hospital das Clínicas (HC) da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) nos últimos anos, conforme frequentemente noticiado pelos órgãos da imprensa local, teve seu (aparente) desfecho em 11 de dezembro de 2013, data em que a UFPE firmou contrato com a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh) para que esta administrasse o HC. Tal contrato é um atestado, passado pela própria UFPE, da incompetência de seus gestores e de sua Administração Central em resolver os problemas do Hospital (a Ebserh é uma empresa pública de direito privado, criada pela Lei Federal nº 12.550, de 15 de dezembro de 2011, com estatuto social aprovado pelo Decreto nº 7.661, de 28 de dezembro de 2011). 

Passados pouco mais de dois meses, o vice-reitor da UFPE publicou em um jornal pernambucano, em pleno sábado de Zé Pereira (1/3/2014), um artigo denominado “Um Novo Hospital”. Sem dúvida, os desvarios do missivista são motivo de indignação para os usuários do HC, os quais, por longos anos, sofreram com o descaso e a incompetência de seus gestores, e agora, como num passe de mágica, veem todos os problemas do Hospital resolvidos – como acintosamente descreve o vice-reitor em seu artigo. 

É um evidente excesso de ufanismo fora de moda, pois a população brasileira não mais aceita conviver com a “ilha da fantasia” criada pelos que estão no poder. A realidade do HC sabe-se bem, é outra, totalmente oposta a esses devaneios que buscam inutilmente iludir os seus usuários e a população, em geral. 

Imagine o HC, durante anos de desleixo e incompetência gerencial, sofrendo com a destruição sistemática (talvez premeditada para depois privatizá-lo) de sua infraestrutura, com a redução de pessoal e o sucateamento de seus equipamentos (muito deles, quando novos, permaneceram por anos a fio dentro de caixotes). Imagine agora, em pouco mais de dois meses, ressurge das cinzas um “Novo Hospital” (das Clínicas), assim, num estalo de dedos, com todos os seus problemas crônicos resolvidos. Uma piada irresponsável e de mau gosto para os usuários daquele posto de atendimento, para os médicos que ali trabalham e para os estudantes que fazem seu aprimoramento prático nas dependências desse hospital escola. 

O que preconiza o vice-reitor da UFPE, com seu “Novo Hospital”, fruto do contrato firmado pela Administração da UFPE com a Ebserh, de forma autoritária e antidemocrática, não é bem o que vem acontecendo em outras instituições que, há mais tempo, também cederam às pressões do governo federal. Do total de 47 Hospitais Universitários, 23 assinaram contrato com a Ebserh (24 ainda não têm contrato). 

A situação mais emblemática é a da Universidade Federal do Piauí (UFPI), que em 8 de abril de 2013 repassou a administração de seu Hospital Universitário para a Ebserh. Denúncias fundamentadas levaram à abertura de inquérito civil público pela Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC) do Ministério Público Federal (MPF). Através da nota técnica no 4.658, relativa à visita técnica realizada para subsidiar o inquérito, o procurador Federal dos Direitos do Cidadão, em oficio circular encaminhado às Procuradorias Regionais dos Direitos do Cidadão, em 21 de fevereiro de 2014, destaca “... o descalabro que se constitui a administração da Ebserh em um hospital universitário”.

Bem, é fácil verificar que a administração da Ebserh nos Hospitais Universitários pelo Brasil afora não tem sido a maravilha surrealista cantada na prosa ufanista do vice-reitor da UFPE. É claro que todos gostariam que fosse realidade esse “Novo Hospital” – mas com a Ebserh e com essa política de palavras vazias não dá para se ter esperanças!